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Um dia todos nós somos obrigados a sair do casulo e a arriscar um primeiro voo.
Levantei-me do sofá - o tal que me tem acolhido durante dias a fio - e ousei vestir-me para sair. Num impulso saí de casa. Há muitos dias que não o fazia, há dias consecutivos que vivo numa vida sem vida que me fez perceber o que o nosso caminho é feito de muitas voltas e de idas sem volta, e que a vida pode ser cruel e certeira ao ponto de acertar no centro das nossas fragilidades. A mim, acertou-me em cheio, naquele dia fatídico em que me roubou um pedaço de mim. O homem que ensinou que a felicidade está nas coisas mais simples e que os pequenos detalhes fazem toda a diferença. A pessoa que me trouxe a serenidade por me fazer perceber que a sorrir é tudo muito mais fácil de se viver. O amigo, o companheiro, o namorado - quase marido - que durante tantos anos me fez sentir que tínhamos a vida aos nossos pés, e que éramos dois a lutar, por nós, pelos nossos sonhos, pelos sorrisos, pela vida e, acima de tudo, por uma vida juntos.
Assim que desci as escadas do prédio senti o olhar dos vizinhos sobre mim. Senti também a preocupação, que talvez fosse apenas curiosidade, de me virem perguntar como eu estava e, na verdade, percebi imediatamente porque me deixei ficar presa em casa todos estes dias. As perguntas e os olhares de compaixão das pessoas fazem com que a minha cabeça repita constantemente momentos que anseio atenuar nas minhas memórias e, embora eu saiba que o tempo não vai fazer com que eu os esqueça ou com que eles deixem de doer dentro de mim, espero que ele sirva para fazer com que esta dor acalme e o meu coração sossegue.
Pouco depois, e num movimento quase mecânico, sentei-me na mesa onde costumávamos sentar-nos sempre. Pedi um café. Nunca um café teve um sabor tão amargo para mim.